sexta-feira, 17 de junho de 2011

Luas de mel no Ceará

Meus pais Romeu Martins Bião e Dulce Aleluia de Carvalho Bião se casaram em 16 de julho de 1949, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador, Bahia. Logo em seguida, seguiram para Fortaleza, para a implantação da filial local da Kosmos Capitalização, empresa na qual trabalhavam há algum tempo e onde se haviam conhecido, em Salvador. Viveram por quase um ano num apartamento de andar numa das muitas casinhas de dois andares de um conjunto então recente no bairro de Jacarecanga (foto à direita), onde se chega pela Avenida Filomeno Gomes (foto à esquerda do final dos anos 1940).

A foto maior acima (do famoso estúdio Aba Film Ceará), na Praia de Iracema (com minha mãe vestindo um "engana mamãe" vermelho, meu pai de short azul), registra sua lua de mel e deve ser de julho ou agosto de 1949. Eu devo ter sido gerado logo depois, pois nasci em Salvador, em 1º de junho de 1950, alguns dias depois de seu retorno à Bahia. No final dos anos 1980, estive com ambos em viagem de visita evocativa e emocionada a sua casa cearense.

Em 1974, vivi algumas de minhas primeiras mais marcantes experiências pessoais em Fortaleza, quando estive hospedado no apartamento da Aldeota da Doutora Auri Moura Costa, mãe de minha amiga atriz e música Maria Idalina Ismael. Eu já conhecia Dona Auri das páginas da revista "O Cruzeiro", de "O impossível acontece": quando Juiza no Crato, ela teria liberado os presos para as festas de fim de ano, para fazer uma reforma na cadeia local; e todos teriam depois retornado. Seu nome designa hoje o presídio feminino de Fortaleza. Conversávamos muito e ela me deu um livro de sua autoria. E eu me sentia em casa...

Em Fortaleza, sinto-me assim, em casa, acolhido, no ventre de minha mãe e da mãe de minha amiga e colega. Também ali quase vivi uma lua de mel...

Chapéus, cravos brancos e guardas-chuvas (Pedrão 1900s)




Na foto maior, Armindo Pedreira Dantas Bião (meu avô paterno, 1865-1931), está em pé, com revólver na cintura e, na mão esquerda, um cravo branco e um guarda-chuva. Sentado, a sua direita, também com um guarda-chuva, está o famoso Padre Carneiro (Vigário Cônego José Batista da Silva Carneiro), autor da "Árvore genealógica das principais famílias do Pedrão", da qual aliás consta a nossa. Os outros na foto são, segundo minha tia Mariath Martins Bião (que me doou os documentos acima), Zezé Godinho (sentado, segurando um guarda-chuva) e Amintas Carneiro, estes ambos com cravos brancos na lapela. Segundo ela, esta foto registra a preparação para uma caçada (ou talvez uma farra) e seria de antes do casamento de meu avô em 1903, mas já provavelmente do início do século XX. Contudo, creio tratar-se da preparação para um casamento, pelos cravos brancos (para padrinhos), pelos guardas-chuvas (sugerindo deslocamento) e presença do famoso Padre, que fez tantos casamentos e batizados pelo Pedrão afora...

O convite, ou melhor, a "participação" do casamento de meus avós paternos anuncia a data de 24 de fevereiro de 1903, a cidade de Irará (onde chegou a haver a Praça Armindo Bião, abaixo, hoje Praça da Bandeira) e a residência na Fazenda Desterro.

O "santinho" de deputado é provavelmente de 1908 e deve ter precedido a nomeação da praça (abaixo):

O cravo representaria o amor puro e latente, e também a liberdade! Os guardas-chuvas anunciam chuva... e os chapeus masculinidade... asssim como o cravo seria a flor dos homens, tradicional, no altar, na lapela do noivo (vermelho, siginificando que se vive para a pessoa amada) e dos padrinhos (branco, de se estar com força e em paz) e, também, presença na essência de perfumes masculinos...

terça-feira, 14 de junho de 2011

A paixão pelo espetáculo (inédito de abril 2011)

Com as caretas de Maragogipe, no último carnaval, brinquei e trabalhei, como se faz em artes do espetáculo, ainda que, no Brasil, brinquedo, brincadeira, brincante e brincador sejam para amadores. Profissional do teatro brinca em inglês (plays), francês (joue) e alemão (spielt), mas, em português, trabalha, não brinca em serviço. Decerto porque os primeiros profissionais da cena, como da música e das artes visuais, por aqui, eram escravos e libertos, negros e mestiços mais escuros.

Lá, terra de minha mãe Dulce, Vó Evangelina e Bisa Veneranda Grata (filha de padre), onde costumo ir para os sambas de roda de São Bartolomeu e devo voltar para o canto da Vozone e o Descimento da Cruz da Paixão, é um belo laboratório de pesquisa. Há pouco, seu carnaval virou patrimônio imaterial da Bahia e eu pude este ano confirmar um maior orgulho de ser maragogipano (lembrando o de ser baiano, de que já se falou). Lá ainda (?) existe Secretaria da Cultura e Turismo e sua marca são as máscaras, símbolo maior das artes do espetáculo e da própria humanidade.
Cláudio Pestana e Gabriel Rodrigo Carvalho Souza operam o descenso em foto de Júnior de Major.


Ser pessoa (do teatro grego – persona – máscara), pela tradição cristã e romana, é se ter direito a nome e cara reconhecidos. E é o olhar do outro que legitima a pessoa, alimenta o artista e dá prazer ao mascarado.
Ser sedutor é estratégia cotidiana, ordinária, da qual se tem pouca consciência (o que chamo de teatralidade). Em momentos extra-ordinários, como o carnaval, brinca-se: "você me conhece?". Esconde-se o rosto, muda-se postura e voz, recorre-se ao grotesco e ao sublime mais incomuns na pessoa. Mas, em dado momento, o mascarado se revela, quebra o encantamento e goza o encontro.
Os outros são luz para cada um de nós. Vencer a solidão e buscar luz é sinal de vida. A tragédia recente de Realengo nos lembra: isolar-se e buscar a morte é o contrário. Plantas buscam luz. Animais (inclusive humanos) buscam vida e gozo nos outros (os humanos de modo bem consciente), embora pássaros e abelhas, em seus rituais, também o façam, como cantou Cole Porter.
A paixão pelo espetáculo é humana, mas a desconfiança intelectual em relação ao espetáculo é enorme. Talvez, numas culturas, ame-se mais o espetáculo que em outras. Salvador e seu Recôncavo, por exemplo, devem estar entre as primeiras. O carnaval de Maragogipe e sua Semana Santa resumem bem isso. É certo que o carnaval brasileiro, entre o fim do império e o início do século XX, tentou abandonar a sujeira e outras inconveniências do entrudo, substituindo-as pela participação familiar e de mascarados, à moda europeia. Lembrei-me muito do que vivi em Nice, França, em 2009, este ano em Maragogipe, ainda que cá com álcool nas ruas e exibido prazer no contato pessoal, talvez por nossa intimidade com o espetáculo, já que "baiano não nasce, estréia" etc.
Lembro-me de, com sete anos, ter visto de uma janela da Casa de Gregório de Mattos, já então a Federação Espírita Baiana, na Semana Santa de 1958, o espetáculo da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, A Via Sacra, de Henri Ghéon, apresentado num palco armado em torno do Cruzeiro de São Francisco. No início, os atores saíam da porta principal da famosa igreja barroca. Cantava o Coro dos Frades do Convento. As fotos hoje testemunham a multidão então presente, neste barroco baiano vivo de nosso Centro Histórico (por que chamá-lo de Antigo, se nem os tais italianos o são?). O da cidade da Bahia, barroco e, historicamente, moderno, é como seus pares, um Centro Histórico, ora!
Mas multidão ainda maior ia ao Dique do Tororó, durante cinco dias a cada ano, para a Encenação da Paixão de Cristo, na primeira metade da década passada, atualizando a vocação barroca baiana. Fico feliz de saber que haverá espetáculo monumental nesta Semana Santa na Concha Acústica do TCA, mas nossa cidade merece mais, quem vive nela e quem a visita, sobretudo na baixa estação, já que a alta está cheia de espetáculos.
Hoje as cidades são os maiores teatros. E a barroca Salvador tem vocação e experiência. O que falta? Artistas e técnicos, com certeza, não!

Já é carnaval metrópole (Jornal A Tarde SSA BA 6.3.2011)












Encruzilhadas da comunicação, mal-entendidos, mercados, cidades e espetáculos, geram metrópoles. Salvador da Bahia é fruto disso. Questão: mas já será mesmo uma metrópole, com gente, tempo e dinheiro para as artes do espetáculo?




Há dois tipos dessas artes: as que são apreciadas ao vivo (dança, teatro, performance, circo, ópera e música – de rua e salão) e as outras, via cinema, rádio, televisão e telemáticas. Quanto aos profissionais, que, segundo Duvignaud, trabalham de modo contínuo, regular e permanente, com (acrescento) expertise e marco legal, além de viverem de seu trabalho, em Salvador, sabemos que são bem raros nas artes do espetáculo ao vivo. Mas há uma exceção maior, a dos bem numerosos profissionais da música, e outra menor, a dos técnicos do áudio-visual. Os demais artistas, a maioria, não são profissionais nesses termos, ainda que nenhum deles nasça, estréie.




Salvador é metrópole da música por já possuir mercado além fronteiras, graças, em boa parte, ao carnaval. O que a literatura e a música divulgaram da cultura baiana, atraindo, entre outros, como residentes, Verger e Carybé, além de também visitantes, faz o carnaval agora, atraindo turistas. Outra questão: carnaval é cultura ou turismo?




Recordo-me do carnaval baiano (só de Salvador?) de 1972, da Caetanave e das publicações de contra-cultura Bondinho e Verbo Encantado (jornalzinho que Álvaro Guimarães pensou e que, comigo e outros, realizamos). Ali se encontra o medo de Caetano, pelo sucesso de suas músicas para trio elétrico, de estar talvez ajudando à destruição da cultura baiana (só de Salvador?). Ali também se percebe nossa cultura como a arte de se Viver Bahia, uma entre tantas artes. E Mautner comenta esse medo como destino e posição trágicos (no sentido de sem retorno), terror e maravilha. Vale ler a sua e as outras Entrevistas Bondinho
(Ed. Beco do Azougue, 2008).




Orlando, da Caetanave, tentando junto às secretarias da Cultura e do Turismo repor seu trio no carnaval de 2011, me faz recordar o atual Secretário de Estado de Turismo, comigo na equipe da Feira da Bahia (São Paulo, 1974), com arte experimental, comercial, erudita e "folclórica", sonoras de Smetak, arte sacra negra e comercialização de artesanato, literatura e comida. Da presença do poeta Rodolfo Coelho Cavalcante, dos dançarinos Gelewski e Morgan e do Teatro de Cordel de João Augusto, a uma antologia de poesia baiana, por Antonio Risério, até o cinema de Glauber e Meteorango Kid, àquela feira, da Bahiatursa (a FUNCEB ainda não existia), faltava muita coisa, como o futuro projeto Bahia Singular e Plural, mas se confirmava nosso trágico e inexorável destino, o de viermos uma Bahia da cultura E do turismo.




Do ponto de vista de gestão, pode-se ampliar as repartições ao infinito. Mas, do ponto de vista conceitual, como pensar o Festival de Lençóis e o Carnaval de Salvador como encargo de uma secretaria ou de outra, turismo ou cultura, respectivamente?




Aliás, o carnavalesco Verbo Encantado, de tantos Zés, como o Sérgio Gabrielli de Azevedo (hoje Petrobrás) e o Cerqueira (que fez a política cultural do Polo Petroquímico, o Troféu Caymmi, os prêmios de literatura e arte, inclusive o de teatro e os da Academia de Letras da Bahia), nada tem a ver com o que circula na internet sobre financiamentos públicos do Vila Velha e do Teatro XVIII. Embora seja fato que foi o decisivo apoio do poder público, para além dos também necessários editais, que, em parceria com artistas, viabilizou sua existência. Aliás, também dos anos 70, lembro da Comissão Permanente do Ciclo de Festas – COPECIFE, onde polemizamos e aprovamos os carnavalescos Filhos de Gandhi, em seus 30 anos, pela primeira vez na Lavagem do Bonfim de 1979, fazendo cumprir nosso destino trágico (sem retorno), de parceria público-privada e novas tradições.




Essas parcerias, cultura, turismo e carnaval, são o destino! Mas, o drama da encruzilhada é se ter educação gratuita, obrigatória e de qualidade, e planejamento de infra-estrutura integrado. Depois, veremos se já há metrópole na Bahia.

Viagens à África I (Cenaberta n. 90 Coimbra PT 18.12.2010)


Devo à Cena Lusófona (dirigida por António Augusto Barros), minha primeira viagem à África, em 2002. Devo a Vivaldo da Costa Lima, razão de meu texto que apareceu aqui, ter conhecido o Ilê Axé Alaketu de Sintra, que, após recente visita, me inspira, ainda pertinho, cá em Lisboa. Devo sugestões afro-lusófonas ao saudoso Luciano Diniz (o melhor aluno de Vivaldo), com quem vim a Portugal duas vezes. E devo a José Cerqueira Filho e Jary Cardoso meu texto para Vivaldo. Espero resgatar, essas dívidas, retomando o projeto de escrita sobre minhas três viagens à África, tratando aqui já da primeira. Depois falarei das outras, de 2003, ao Marrocos, para a XXV Universidade de Verão Al Moutanid Ibn Abbad e de 2005, ao Mali, para a Université Ouverte des Cinq Continents, aqui e alhures.


São Tomé e Príncipe é um pequenino país arquípelago de menos de 1.000 km² e 200 mil habitantes, no Golfo da Guiné, junto à Linha do Equador, desabitado até 1470, quando é ocupado pelos portugueses, para a exploração da cana de açúcar e, logo depois, transformado em entreposto de escravos. Tomado pelos holandeses, à mesma época que parte do Nordeste do Brasil, o arquipélago, onde a abolição da escravatura é de 1876, ao longo do século XIX, passa a abrigar culturas de cacau e café, completando sua paisagem e cultura. Em 1975, constitui-se em país independente de Portugal.


Viajei para o Festival Gravana 2002, que foi de 4 a 18 de Agosto, numa ação da Cena Lusófona, do Grupo HB de São Tomé e da Direcção Nacional de Cultura sãotomense. Aprendi logo que a palavra gravana possui o sentido náutico de vento fresco de Sul e Sudeste, do Golfo da Guiné e corresponde à estação seca em São Tomé, onde "safar gravana" é gíria para desembaraçar-se, trabalhar rapidinho. Fiz palestra sobre as artes do espetáculo na Bahia, com dois vídeos da série Bahia Singular e Plural sobre os folguedos de mouros e cristãos e uma leitura dramatizada do folheto de cordel História do soldado jogador, de Leandro Gomes de Barros.


Além de espetáculos e outras palestras, o tesouro da viagem foram os espetáculos de grande participação popular que presenciei, dois autos carolíngios, relativos à história européia dos séculos VIII e IX, recriados pela oralidade e por livros, dos quais uma matriz é a famosa Canção de Rolando. São como os folguedos, "brinquedos" e "brincadeiras" que existem na Bahia e em outros lugares do Brasil, onde, inclusive, se encontram, também, autos carolíngios.


O maior, em duração e ação, o Auto de Floripes, sobre os conflitos do Imperador e os 12 Pares de França com os Mouros, foi da madrugada à noite, por toda a cidade de Santo Antonio, na Ilha do Príncipe. Os pequenos tablados de madeira e palha (para pontes, palácios etc) me lembraram o que vivi em minha infância na Bahia. Os 12 Pares, de tantos folhetos de cordel brasileiros, portavam seus nomes em faixas sobre os figurinos, inclusive Ricarte, que engana os mouros, como fez o soldado francês jogador, também chamado Ricarte, do folheto de Leandro, com seus superiores, ao ser encontrado jogando cartas numa igreja, quando explicou que apenas rezava as sagradas escrituras (Ás, o Onipotente, 2, as duas tábuas da lei, 3, a Santíssima Trindade...).


O Tchiloli, menor em espaço e tempo, mas também precioso, na Ilha de São Tomé, nos levou a uma clareira, no meio da mata e de antigas plantações. Da tarde até o anoitecer, acompanhamos o julgamento do filho do Imperador, entre música, danças, máscaras e personagens femininos e masculinos feitos por homens. Tchiloli, cujo título completo é A Tragédia do Marquês de Mântua e do Príncipe D. Carlos Magno, seria o termo forro (português local da tradição oral) para a palavra teoria. Ora, teatro e teoria são palavras que surgiram junto com os fenômenos que denominam e que valorizam a visão. Teoria é a visão de um objeto por um sujeito. Teatro é o espaço e ação para a visão. Nesse caso, seria o conflito do Imperador, entre fazer valer a lei (e punir o filho por seu crime) com o pai, perdoando-o. Acho que ali essa "teoria" não teve solução...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A cruz da cidade da Bahia (Jornal A Tarde SSA BA 10.02.2011)










Onde se cruzam caminhos se formam feiras e cidades. Daí, de encruzilhadas e mal-entendidos, várias migrações criaram a área tupinambá batizada Bahia de Todos os Santos por Américo Vespúcio em 1501, onde naufragou Caramuru, por volta de 1509 e, 40 anos depois, fundou-se São Salvador. A Bahia tem 511 anos de idade, sua matriz euro-ameríndia 502 e Salvador apenas 462 anos. Tempo e encruzilhada de violência, entre ameríndios, com antropofagia, entre esses e europeus e entre seus filhos e africanos, com escravidão. Também de opulência, pela integração com o mais das Américas, a Europa e o Oriente, que a transformou, no século XVIII, na maior cidade do hemisfério sul, a maior europeia fora da Europa e a maior africana fora da África.



Artes do espetáculo são das encruzilhadas. Mestre Jean Duvignaud (1921-2007) dizia que o teatro, como atividade regular, contínua e permanente, é coisa de metrópole, onde há gente com dinheiro e tempo para artistas. Mas teatro profissional pode ser outra coisa, como só competência e expertise, o que podemos datar, na Bahia, de 1956, da criação da Escola de Teatro da Universidade. Pode ser também apenas um marco legal, como o da Lei de 1978 que regulamentou a profissão dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão no Brasil. E, enfim, ser profissional das artes do espetáculo pode ser o que está implícito em Duvignaud, o se viver de seu trabalho, se este for regular, contínuo e permanente. Daí a questão: Salvador é metrópole?



No final dos anos 70, ao lado do colega, de teatro e campanha pela profissionalização do artista e pela anistia, Benvindo Siqueira, fomos profissionais, por algum tempo. Com teatro infantil, de bonecos, de rua, teatrão e eventos políticos, chegamos então a viver de teatro. Mas ainda estávamos longe do fenômeno metropolitano descrito por Duvignaud. Após quase todos os anos 80 fora do Brasil, encontrei na Bahia uma efervescência teatral que parecia anunciar a metrópole. Mas logo vi meu engano, ao ouvir a negação do que todos sabem ser verdade no teatro, como diz Grotowski: "todo mundo é filho de alguém".



Depois, como pesquisador e gestor, sobretudo acadêmico, percebi a importância do apoio governamental para a profissionalização nas artes do espetáculo, em geral e não só no processo internacional de descentralização dos anos 50, que teve na França a liderança de Duvignaud, nos EUA gerou o Guthrie Theater de Minneapolis e na Bahia criou a Escola de Teatro. De fato, fora disso, que também chamam de regionalização, mesmo numa metrópole como Paris, não haveria teatro profissional sem apoio governamental, até hoje.



De 2003 a 2006, dirigi a Fundação Cultural do Estado da Bahia e vi a importância disso. Fora a ampliação dos editais nesse período (para contemplar a diversidade do estado), vi o decisivo e diferenciado apoio, em Salvador e região metropolitana, ao Teatro Vila Velha, ao Teatro XVIII, no (não apenas turístico, vê-se) Pelourinho, aos grandes espetáculos ao ar livre e à restauração do então abandonado Cine-Teatro Plataforma, que reabrimos em 2006. Além da manutenção dos Centros de Cultura de cidades pólo, projetos como Bahia Singular e Plural, Chapéu de Palha, Salões Regionais de Artes Plásticas, Circuladô Cultural, Saveiro Cultural, Domingueiras e Bahia Vista Por Dentro, no interior do estado, o FazCultura e o então criado Fundo de Cultura, em nível estadual, também foram formas de apoio governamental para as artes do espetáculo.



É fato que Salvador reúne só 20% da população da Bahia e cerca de 40% de seu PIB. É fato que antes das gestões do atual prefeito a cidade contava com maior apoio do governo do estado e apresentava melhores indicadores de limpeza, violência e cultura. É incerto ser isso razão da bela vitória da oposição de então, mas pode até ser um de seus fatores. Dividir capital e interior e mentir sobre o antes e o depois podem até dar popularidade e votos. E podem também aumentar o peso da cruz de Salvador e de suas artes do espetáculo, que, talvez, nunca vivam numa metrópole. Mas será que a Bahia precisa de uma?

Para Mestre Viva, com carinho (Jornal A Tarde SSA BA 27.10.2010)













À esquerda, com Viva, à direita, com Ieda Pessoa de Castro, Kátia Mattoso, Viva e Jacqueline Donel:

O filme cult com Sidney Poitier é de 1967, mas só conheci Vivaldo da Costa Lima em 1968. O filme trata de alguém que vira professor e vence preconceitos, assim como Viva. Antonio Risério, que lhe dedicou texto com título similar, também não foi seu aluno, mas eu tive a honra de aprender com ele metodologia de pesquisa e algo de seu rigor. Por estar pensando nele, sempre reescrevendo, em 22 de setembro de 2010, quando recebi a notícia da indesejada das gentes, enquanto, após analisar uma dissertação, eu escrevia para seu autor, registro esse momento agora.

Aprendi com ele em Salvador e Paris, até tomando Marc (destilado de resíduos de pressage) e comentando a obsessão por ordem e método, a intuição e eventual rabugice dos inspetores de ficção Poirot e Maigret. Aí se revelava seu apreço à investigação e à imaginação e, sobretudo, sua tolerância com a complexidade humana. Mas também me recordo de uma aula, nos anos 70, numa pequena sala, na UFBA, em São Lázaro, onde fui curioso das Áfricas e ele ampliou e complicou meu parco entendimento.Dos anos 80, lembro-me de nosso convívio doméstico, por uns dois meses, quando eu ouvia sua leitura, quase diária, de textos se construindo, com método, intuição e complexidade. E guardo a generosidade do anfitrião, mais recentemente, de nossos encontros a dois de sábado no final da tarde e de almoços com amigos. Quantas dúvidas Viva me ajudou a dissipar e quantas fontes me abriu! A mim e a tantos que pudemos desfrutar de seu conhecimento, ele nos prodigou ao vivo o que a outros legou em publicações, algumas já em editoração por Arlete Soares, com quem vinha trabalhando.Registro duas de suas revelações, além do conhecimento, de mais de 25 anos, de pessoas gratas e gradas como Michel Maffesoli, Edgard Morin, Regina e François Benhamou e Gerson Sena Marques. O encontro com seu afilhado, Nilsinho, caçula de Dona Olga do Alaketu, que mantém um terreiro em Portugal, há 21 anos, que costumo visitar há sete e onde me sinto bem. E um texto seu de 1960, que ele me deu há 10 anos: "Nota sobre três peças de culto afro-brasileiro expostas na Escola de Teatro da Universidade da Bahia". A uni-los, nossa história oral e sua complexidade. Como compreender as relações do pai de santo Procópio do Ogunjá com o chefe de polícia de quem era irmão de santo, Pedrito Gordo? Como avaliar o perfil de Martim Gonçalves, criador da Escola de Teatro da Universidade da Bahia?Viva e Martim incluíram esses três objetos na memorável exposição de 100 dias "Bahia no Ibirapuera" de 1959, em São Paulo, valorizando a arte do cotidiano e que trouxeram, em parte, depois, para a Escola de Teatro. Essas peças pertenciam ao Alaketu, mas haviam desaparecido do candomblé de Procópio, onde estavam por obrigação ritual. Por causa de uma abóbora, quizila do santo do religioso, também dono de quitanda, e do policial, esses objetos acabaram sendo "doados" por Pedrito ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. A narrativa de Nilsinho sobre isso, de seu ouvir falar, é primorosa. Um dia, quero publicar o texto de Viva e uma possível entrevista com Nilsinho. E relembrar sua importância na liberação dos candomblés da obrigação de pedir permissão à polícia para suas festas públicas.

Agora, tento recompor o que eu escrevia, pensando nele, sobre aquela dissertação, na qual se dizia os portugueses haverem raptado os africanos para escravizá-los: os portugueses, assim como outros europeus e brasileiros, compraram africanos de outros africanos, num processo comercial de larga escala de produção de escravos para exportação, que, em boa medida, induziram, com a participação de poderes locais e regionais, e que substituiu o sistema tradicional, doméstico e tribal, de manutenção de cativos, resultante de disputas étnicas e familiares. Esse horror, o maior crime de lesa humanidade de todos os tempos, que modernizou a Europa e enriqueceu o Brasil, ainda pode persistir na simplificação de sua complexidade. Mas o que eu queria mesmo era mostrar aquela frase a Viva, esperando sua ajuda para fazê-la melhor...

domingo, 12 de junho de 2011

Quem sou?

Sou neto (por mãe) de Eustórgio (1883?-1939?) e Evangelina Carvalho (24.06.1885/86?-
1962, filha de Getúlio e Veneranda Grata, esta sendo uma das netas do padre Espiridião Gonçalves) e (por pai) de Armindo (1865-1931, centro abaixo) e Jesuína Bião (10.07.1884-1968, à direita):










Mas eu somos dois "ão": bi "ão"! Artista! Curioso!
De prenome, Armindo Jorge. Porque meu avô paterno e seu mais jovem cunhado (irmão de minha avó Jesuína) também foram Armindos (assim como um tio, filho de Jesuína, neto e sobrinho de Armindos) e, depois de mim, dois primos carnais também. Por isso somos cinco parentes Armindo Bião e um Armindo Martins. Jorge talvez porque, em Fortaleza, onde viveram meus pais de junho de 1949 a maio de 1950, uns 40 dias antes de eu nascer, minha mãe pensou no santo de 23 de abril.
De sobrenome, Carvalho Bião. Porque minha mãe Dulce Aleluia é filha de Evangelina (neta de Veneranda Grata e bisneta do padre Espiridião Gonçalves), que foi casada com um Carvalho. Bião porque um ancestral de meu pai Romeu (o trágico herói juvenil de Shakespeare) adotou esse nome como sobrenome no século XIX. Por que ele fez isso? Não sei! Só sei que bião era o bujão de carregar cal, usado pelos pretos caiadores de Lisboa no século XVIII (como aparece em entremezes do teatro de cordel dessa época, conforme registrou José Ramos Tinhorão), na chamada "linguagem de pleto".
Sei também que Bião é uma alcunha (apelido, como se diz no Brasil) do Além Tejo (como aparece em dicionários especializados). Assim, talvez, meu ancestral fosse um pintor ou uma pessoa gorda, apelidada por seu instrumento de trabalho ou por sua aparência. Mas Bião também parece ser um apelido (alcunha, como se diz em Portugal), pois é um nome pouco comum, curto e forte. Há até quem pense que me chamo Sebastião, apelidado Bião. Sou não. Sou só Bião. Com acento.
BIAO é o nome do banco da África ocidental: Banque Intenationale de l'Afrique Occidentale, conforme constatei na África em três ocasiões.
Enfim, sou artista (ator, encenador e dramaturgo), pesquisador (CNPq) e professor (UFBA e alhures).