segunda-feira, 13 de junho de 2011

Para Mestre Viva, com carinho (Jornal A Tarde SSA BA 27.10.2010)













À esquerda, com Viva, à direita, com Ieda Pessoa de Castro, Kátia Mattoso, Viva e Jacqueline Donel:

O filme cult com Sidney Poitier é de 1967, mas só conheci Vivaldo da Costa Lima em 1968. O filme trata de alguém que vira professor e vence preconceitos, assim como Viva. Antonio Risério, que lhe dedicou texto com título similar, também não foi seu aluno, mas eu tive a honra de aprender com ele metodologia de pesquisa e algo de seu rigor. Por estar pensando nele, sempre reescrevendo, em 22 de setembro de 2010, quando recebi a notícia da indesejada das gentes, enquanto, após analisar uma dissertação, eu escrevia para seu autor, registro esse momento agora.

Aprendi com ele em Salvador e Paris, até tomando Marc (destilado de resíduos de pressage) e comentando a obsessão por ordem e método, a intuição e eventual rabugice dos inspetores de ficção Poirot e Maigret. Aí se revelava seu apreço à investigação e à imaginação e, sobretudo, sua tolerância com a complexidade humana. Mas também me recordo de uma aula, nos anos 70, numa pequena sala, na UFBA, em São Lázaro, onde fui curioso das Áfricas e ele ampliou e complicou meu parco entendimento.Dos anos 80, lembro-me de nosso convívio doméstico, por uns dois meses, quando eu ouvia sua leitura, quase diária, de textos se construindo, com método, intuição e complexidade. E guardo a generosidade do anfitrião, mais recentemente, de nossos encontros a dois de sábado no final da tarde e de almoços com amigos. Quantas dúvidas Viva me ajudou a dissipar e quantas fontes me abriu! A mim e a tantos que pudemos desfrutar de seu conhecimento, ele nos prodigou ao vivo o que a outros legou em publicações, algumas já em editoração por Arlete Soares, com quem vinha trabalhando.Registro duas de suas revelações, além do conhecimento, de mais de 25 anos, de pessoas gratas e gradas como Michel Maffesoli, Edgard Morin, Regina e François Benhamou e Gerson Sena Marques. O encontro com seu afilhado, Nilsinho, caçula de Dona Olga do Alaketu, que mantém um terreiro em Portugal, há 21 anos, que costumo visitar há sete e onde me sinto bem. E um texto seu de 1960, que ele me deu há 10 anos: "Nota sobre três peças de culto afro-brasileiro expostas na Escola de Teatro da Universidade da Bahia". A uni-los, nossa história oral e sua complexidade. Como compreender as relações do pai de santo Procópio do Ogunjá com o chefe de polícia de quem era irmão de santo, Pedrito Gordo? Como avaliar o perfil de Martim Gonçalves, criador da Escola de Teatro da Universidade da Bahia?Viva e Martim incluíram esses três objetos na memorável exposição de 100 dias "Bahia no Ibirapuera" de 1959, em São Paulo, valorizando a arte do cotidiano e que trouxeram, em parte, depois, para a Escola de Teatro. Essas peças pertenciam ao Alaketu, mas haviam desaparecido do candomblé de Procópio, onde estavam por obrigação ritual. Por causa de uma abóbora, quizila do santo do religioso, também dono de quitanda, e do policial, esses objetos acabaram sendo "doados" por Pedrito ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. A narrativa de Nilsinho sobre isso, de seu ouvir falar, é primorosa. Um dia, quero publicar o texto de Viva e uma possível entrevista com Nilsinho. E relembrar sua importância na liberação dos candomblés da obrigação de pedir permissão à polícia para suas festas públicas.

Agora, tento recompor o que eu escrevia, pensando nele, sobre aquela dissertação, na qual se dizia os portugueses haverem raptado os africanos para escravizá-los: os portugueses, assim como outros europeus e brasileiros, compraram africanos de outros africanos, num processo comercial de larga escala de produção de escravos para exportação, que, em boa medida, induziram, com a participação de poderes locais e regionais, e que substituiu o sistema tradicional, doméstico e tribal, de manutenção de cativos, resultante de disputas étnicas e familiares. Esse horror, o maior crime de lesa humanidade de todos os tempos, que modernizou a Europa e enriqueceu o Brasil, ainda pode persistir na simplificação de sua complexidade. Mas o que eu queria mesmo era mostrar aquela frase a Viva, esperando sua ajuda para fazê-la melhor...

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