segunda-feira, 13 de junho de 2011

A cruz da cidade da Bahia (Jornal A Tarde SSA BA 10.02.2011)










Onde se cruzam caminhos se formam feiras e cidades. Daí, de encruzilhadas e mal-entendidos, várias migrações criaram a área tupinambá batizada Bahia de Todos os Santos por Américo Vespúcio em 1501, onde naufragou Caramuru, por volta de 1509 e, 40 anos depois, fundou-se São Salvador. A Bahia tem 511 anos de idade, sua matriz euro-ameríndia 502 e Salvador apenas 462 anos. Tempo e encruzilhada de violência, entre ameríndios, com antropofagia, entre esses e europeus e entre seus filhos e africanos, com escravidão. Também de opulência, pela integração com o mais das Américas, a Europa e o Oriente, que a transformou, no século XVIII, na maior cidade do hemisfério sul, a maior europeia fora da Europa e a maior africana fora da África.



Artes do espetáculo são das encruzilhadas. Mestre Jean Duvignaud (1921-2007) dizia que o teatro, como atividade regular, contínua e permanente, é coisa de metrópole, onde há gente com dinheiro e tempo para artistas. Mas teatro profissional pode ser outra coisa, como só competência e expertise, o que podemos datar, na Bahia, de 1956, da criação da Escola de Teatro da Universidade. Pode ser também apenas um marco legal, como o da Lei de 1978 que regulamentou a profissão dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão no Brasil. E, enfim, ser profissional das artes do espetáculo pode ser o que está implícito em Duvignaud, o se viver de seu trabalho, se este for regular, contínuo e permanente. Daí a questão: Salvador é metrópole?



No final dos anos 70, ao lado do colega, de teatro e campanha pela profissionalização do artista e pela anistia, Benvindo Siqueira, fomos profissionais, por algum tempo. Com teatro infantil, de bonecos, de rua, teatrão e eventos políticos, chegamos então a viver de teatro. Mas ainda estávamos longe do fenômeno metropolitano descrito por Duvignaud. Após quase todos os anos 80 fora do Brasil, encontrei na Bahia uma efervescência teatral que parecia anunciar a metrópole. Mas logo vi meu engano, ao ouvir a negação do que todos sabem ser verdade no teatro, como diz Grotowski: "todo mundo é filho de alguém".



Depois, como pesquisador e gestor, sobretudo acadêmico, percebi a importância do apoio governamental para a profissionalização nas artes do espetáculo, em geral e não só no processo internacional de descentralização dos anos 50, que teve na França a liderança de Duvignaud, nos EUA gerou o Guthrie Theater de Minneapolis e na Bahia criou a Escola de Teatro. De fato, fora disso, que também chamam de regionalização, mesmo numa metrópole como Paris, não haveria teatro profissional sem apoio governamental, até hoje.



De 2003 a 2006, dirigi a Fundação Cultural do Estado da Bahia e vi a importância disso. Fora a ampliação dos editais nesse período (para contemplar a diversidade do estado), vi o decisivo e diferenciado apoio, em Salvador e região metropolitana, ao Teatro Vila Velha, ao Teatro XVIII, no (não apenas turístico, vê-se) Pelourinho, aos grandes espetáculos ao ar livre e à restauração do então abandonado Cine-Teatro Plataforma, que reabrimos em 2006. Além da manutenção dos Centros de Cultura de cidades pólo, projetos como Bahia Singular e Plural, Chapéu de Palha, Salões Regionais de Artes Plásticas, Circuladô Cultural, Saveiro Cultural, Domingueiras e Bahia Vista Por Dentro, no interior do estado, o FazCultura e o então criado Fundo de Cultura, em nível estadual, também foram formas de apoio governamental para as artes do espetáculo.



É fato que Salvador reúne só 20% da população da Bahia e cerca de 40% de seu PIB. É fato que antes das gestões do atual prefeito a cidade contava com maior apoio do governo do estado e apresentava melhores indicadores de limpeza, violência e cultura. É incerto ser isso razão da bela vitória da oposição de então, mas pode até ser um de seus fatores. Dividir capital e interior e mentir sobre o antes e o depois podem até dar popularidade e votos. E podem também aumentar o peso da cruz de Salvador e de suas artes do espetáculo, que, talvez, nunca vivam numa metrópole. Mas será que a Bahia precisa de uma?

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