terça-feira, 2 de agosto de 2011

A comunidade das Begônias: os Begas

eu Bega em desenho de Sérgio Drummond também Bega (junho? de 1970)
No recorte do Jornal da Bahia acima (de antes da estreia do Macbeth no TCA, em  7 de  maio de 1970), o desenho (que você pode visualizar meljor clicando aqui) mostra, em sentido horário: Sérgio (seu autor),  Verinha,  eu, Letícia,  Lú  e Tito (ao centro).

Na página inteira de Bisa Junqueira Aires que você pode visualizar melhor clicando aqui,  também  no  Jornal da Bahia,  (julho de  1970?), aparecem em outro desenho de Sérgio, a partir da esquerda: Lia (numa taça de sorvete); Verinha (saindo de um botina); Tito (de pernas cruzadas), Sérgio, Letícia e Pedrinho (à esquerda de Tito); e eu (de óculos, com borboleta e uvas no cabelo).
Creio que fomos todos ao show da despedida (que gerou o ‘álbum branco’) de Caetano e Gil (antes de irem para Londres) no Teatro Castro Alves, em julho de 1969. Nessa época, muitos de nós íamos quase toda noite ao Brasa, bar do Clube Cruzeiro da Vitória, no Campo Grande, onde por vezes encontrávamos Gil e Caetano, sobretudo este, com quem já falávamos sobre nossa eventual futura ida também para Londres e de quem recebemos indicações sobre sua ida e um provável encontro (que de fato se concretizaria), quando de nossa possível chegada por lá...

Costumávamos cantar um repertório eclético e nos chamar “as bethânias”, depois “as begônias”, flores de vasta família... Alguns de nós participávamos de grupos de estudos sobre McLuhan e Marcuse... Éramos estudantes universitários, artistas e jornalistas... Estávamos sempre juntos, na praia, na noite (inclusive deitados na relva do Morro do Cristo da Barra e nas areias do Abaeté, em círculo, um com a cabeça no colo do outro, olhando o céu...), lanchando cheeseburger e suco de frutas no fusca de Pedrinho Karr, na Avenida Sete de Setembro (Manon) e Carlos Gomes (La Fontana?)...

Pedrinho (bisneto do escritor e florista francês Alphonse Karr), compositor, residia no Corredor da Vitória e, no verão 1969/ 1970, inaugurou no Largo do Farol da Barra, no térreo do novo prédio da esquina da Rua Afonso Celso, a boutique Ao Dromedário Elegante (espécie de franquia da época da boutique paulista tropicalista de Regina Boni, esposa de Boni, pai do Boninho da Rede Globo), com nossa presença, dos Novos Baianos e de outros tropicalistas... Após a inauguração, aliás, a nova casa de meus pais no Jardim de Alá, para onde nossa família deveria se mudar em breve, abrigou muitos dos presentes na estreia da boutique e ficou bastante danificada... e nós nos transformamos nos maiores usuários da boutique...

Em 1970, entre a semana santa e o mês de agosto, vivemos num apartamento de Pedrinho, de quarto e sala, no edifício Rômulo, na Ladeira da Barra. Dormíamos em esteiras, nossos móveis eram de caixotes de madeira de importação de maçãs sobre tijolos... Comíamos marmitas de comida macrobiótica, pratos diversos no restaurante Van Gogh do Porto, sorvetes e doces na Nubar. Fumávamos... Vimos Janis Joplin no atelier de Gilson Rodrigues... Conhecemos (alguns de nós) o LSD... Recebíamos muitas visitas de artistas e jornalistas, da cidade e de fora...

Vivíamos também em parte das duas casas usadas como guarda-móveis pelos Karr, na Avenida Oceânica, onde Pedrinho instalou as confecções Kabbala e onde nos produzíamos com seus figurinos coloridos e fazíamos a cabeça de longas cabeleiras para sairmos pelo Barravento, a boite Casa de Pedra (mais ou menos onde hoje é o Morro do Escravo Miguel) e os bares do centro da cidade: Tarrafa, Papo de Bruxa (este talvez depois de Londres?) e Varandá. Eu usava seis trancinhas ao pé de meu próprio cabelo...

Participamos: da programação da semana santa do Teatro Vila Velha (ver postagem aqui: 1970 O Ano do Bode), com o happening de Luciano Diniz Eis o homem; da montagem de Salomé, de Oscar Wilde (direção de Lú, Lia como Salomé, Ribas e eu como João Batista), na obra então inacabada da Primeira Igreja Batista da Bahia, na Baixa dos Sapateiros; da memorável montagem de Macbeth, no Teatro Castro Alves, em maio; e do desfile da Kabbala Confecções, no dia 4 de agosto (nas sete salas já vazias da grande mansão da família de Pedrinho, na Vitória, já em início de demolição para a construção do que seria o Edifício Karr e hoje é o Sol Vitória Marina Hotel), cujo programa aparece aqui abaixo (ao fim desta postagem), apresentada pelas obras de Irmã Dulce, com coreografia de Dulce Aquino, narração de Lia Mara (a partir de sonetos [!?] descrevendo os modelos e escritos por mim), ilustração de Sérgio Drummond... todos nós desfilamos... dançando... curtindo...

Com o bode do Macbeth e a ida dos que de nós estávamos no espetáculo à Polícia Federal em 15 de maio (documento na postagem 1970 O Ano do Bode), quando e onde fomos vivamente incentivados a sair do país (que vivia a campanha ‘Brasil, ame-ou ou deixe-o’), decidimos vender o que tínhamos (livros, discos...) e reunir dinheiro para a viagem que agora se anunciava como concreta e, até, imprscindível... Pedrinho iria de avião e nós cinco (eu, Letícia Régia, Luciano Diniz [Lú], Sérgio Drummond e Verinha Lessa) de navio. Cada passagem Rio/ Lisboa pelo Eugenio C (em quartos de dois beliches), abaixo da linha d’água, custou 297 dólares. Viajamos com belíssimo figurino, incluindo casacos feitos de cobertores ‘dorme bem’, comprados na Baixa dos Sapateiros e transformados pela Kabbala Confecções, com obreiras enormes, que viajaram bem recheadas... depois, o meu, já com as ombreiras vazias, até apareceu vestido por Gil em foto publicada no jornal carioca O Pasquim... 

Fomos dia 25 de agosto de ônibus para o Rio de Janeiro (à esquerda eu dentucinho na Rodoviária de Salvador, em foto de Aécio Pamponnet Sampaio, no dia em que fui-me embora). Embarcamos dia 27 no Porto do Rio e chegamos dia 5 de setembro em Lisboa, onde, para pegar carona, nos dividimos em dois grupos (Lú, Verinha e eu; e Sérgio e Letícia). Na noite de 12 de setembro, nosso grupo de três saiu da fria cidade portuguesa de Guarda, num veículo sem vidro de para-brisa, junto com portugueses (alguns desertores do exército, 'tropas') que iam para a França, todos com lenços amarrados sobre a boca e o nariz (para evitar insetos), conduzidos por um padre, que nos levou para dar uma olhada na praia La Concha em San Sebastián (que recebia naquele dia o ditador Francisco Franco) e nos deixou na fronteira com a França dois dias depois. Entre 16 e 20 de setembro nos reencontramos (meio por acaso...) em Paris (talvez no dia 18, quando morreu Jimi Hendrix), cruzando muito com gente vinda do Festival da Ilha de Wigth (até rasgamos alguns documentos na Île de France e jogamos os pedacinhos no Rio Sena - minha carteira de ator da Polícia Fedral, p. ex.)... Dia 22 de setembro, sempre de carona, chegamos em Boulogne, de onde fomos de ferry para Folkstone. Ali convenci o pessoal da alfândega que, mesmo só tendo um traveller cheque de 50 dólares (Lú e Verinha talvez tivessem mais), nossas famílias nos ajudariam do Brasil... Letícia e Sérgio não tiveram a mesma sorte e acabaram tendo que ir para Amsterdam. Nós outros três chegamos em Londres em 23 de setembro. Logo depois morreu Janis Joplin, em 4 de outubro, quando apareceram as camisetas do céu e os dizeres: Hi Janis! Hi Jimi! Pedrinho chegou pouco depois.

Convivemos em Londres com Caetano, Gil e vários outros brasileiros, da música, do cinema (Julinho Bressane, Rogério Sganzerla e Helena Inês), do teatro (Antonio Bivar e Zé Vicente), das artes visuais (Antonio Peticov...), mas eu voltei meio adoentado em novembro de 1970, a tempo para as eleições bizarras daquele ano (Lú e Verinha ficaram bem mais e entraram no filme de Jorge Mautner, O Demiurgo; Sérgio e Letícia viraram Meninos de Deus)... foi minha Volta ao Mundo em 80 Dias... de mochila nas costas, dormindo em sleeping bag, no Holland Park (coberto por jornais e folhas, graças ao guarda que burlou regra), em varanda de igreja (Troisseureux - três felizes?) e em estacionamento coberto (Bayonne), pegando comida em mercadinho (Londres) e açúcar em balcão (Paris), comendo pétalas de rosas (muitas) com nacos de chocolate (poucos), numa estrada ao norte de Paris, pelo expresso 2222 london london a fora... dançando, curtindo (e até sangrando)... jogando tarot e comendo arroz com gersal.... até meu padrinho e tio materno Gerson Carvalho poder me enviar passagem aérea Londres/ Las Palmas/ Rio/ Salvador, onde cheguei sem precisar ser internado, indo morar na nova casa (restaurada) de meus pais no Jardim de Alá!

As Begônias se mantinham no Brasil com o que era ganho pelos jornalistas Hamiltom Celestino (Tito, que não pôde viajar) e Verinha Lessa, fora as contribuições de Pedrinho e os pequenos aportes dos demais (Lia Azevedo, Sérgio, Letícia, Lú)... Havia Begônias de vários tipos (Carlos Ribas era uma delas), inclusive As Honorárias (como Bisa Junqueira Aires, do Jornal da Bahia e Jesus Chediak, diretor da Escola de Teatro da UFBA)... as begas talvez até merecessem mesmo mais espaço e tempo, mais blocos mágicos de memória... além do Bloco Mágico e Lua, que escrevi em Londres em 1970 (ficando por quase 30 anos em mãos de Dedé Veloso, que mo devolveu) e publiquei (com bela capa de João Capello) em Salvador em 2008... 

Por ora, basta, chega, está bem, voltemos ao Verbo Encantado, do qual vem aí o número 10... 

Abaixo o já anunciado programa do desfile de modas...

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